Em todos os
ramos do saber humano há maravilhas, que descobertas, produzem satisfação a
quem se dedica a tais estudos.
A língua
portuguesa, não faz exceção a esta regra, até bem ao contrário, é riquíssima em
questões interessantes, que podem ser apreciadas por todos nós.
Os dois ramos
mais interessantes sobre curiosidades lingüísticas são encontrados na
etimologia e na semântica.
Vasco Botelho
do Amaral, ilustre pesquisador da pátria lusa, após dedicados e prolongados anos
de estudo, escreveu o livro de 690 páginas Mistérios
e Maravilhas da Língua Portuguesa, que há alguns anos tive o privilégio de
ler. Neste livro ele declarou o seguinte:
"Há tantos mistérios e maravilhas em nossa língua que se
uma pessoa tivesse milhões de vidas e as gastasse nestes estudos não chegaria
ao fim".
Embora a minha
palestra não seja sobre assuntos deste livro, desejo apenas destacar que foi
com ele que aprendi a diferença entre as nossas palavras saco e saca, poço e
poça, barco e barca, cesto e cesta, vaio e vaia etc.
"Estes
nomes embora não denotem sexo, têm, contudo, duas terminações, uma masculina,
outra correspondente feminina. O que há de notável com estes nomes, é que na
terminação feminina exprimem o mesmo objeto que na masculina; porém, com menos
altura e profundidade, e com mais âmbito ou largura; no que há, por certo, uma
imitação dos entes criados da natureza, em que as fêmeas, sendo menos altas que
os machos, apresentam, contudo maior bojo ou capacidade. Assim, o cesto é mais alto
e menos largo que a cesta, o saco que a saca, o barco que a barca". Págs.
116 e 117.
Seria também
interessante notar a diferença que há entre madeiro e madeira, lenho e lenha.
Os entendidos nos dizem que a forma masculina é proveniente do neutro singular
latino, e de fato, guarda entre nós, a idéia de singularidade; por isso dizemos
que Cristo foi pregado no madeiro. A forma feminina tem a idéia de pluralidade,
pois assim terminavam as palavras neutras no plural em grego e latim. As
palavras madeira e lenha, em nossa língua, confirmam esta significação.
Hoje
estudaremos alguma coisa sobre os números, ou palavras derivadas dos números.
Os romanos para a representação de seus algarismos adotaram certos sinais
rudimentares, representando, por exemplo, cada unidade por um traço, isto de um
a quatro.
Cinco V é a
grosseira imagem da mão.
Daí começaram
VI, VII, até dez, que são dois VV, superpostos pelo vértice ou duas mãos. Os
romanos ao entrarem em contato com os gregos eliminaram as letras aspiradas que
não podiam pronunciar corretamente, mas aproveitaram essas letras para
representarem números. O f representou o número mil e a metade dele 500 = D.
Passemos
especificamente ao estudo de alguns números.
Número Um
Do número um
latino temos em português uno, unidade, único, unir, reunir, algum, nenhum,
etc. Não necessitamos explicar estas formas porque são do conhecimento de todos
nós.
Número Dois
Deste número
temos muitos derivados em português. A palavra dúvida é derivada de dois, pois
quem está em dúvida está entre dois estados de alma. O mesmo acontece com
dúbio.
As formas di e
dis significam dois em grego e correspondem a bi e bis em latim. As formas
seguintes comprovam o seu significado:
Dilema = dois
proveitos.
Diploma =
documento oficial expedido em duplicata.
Primitivamente
era uma peça oficial gravada numa placa dupla de bronze.
Dístico = dois
versos.
Dígamo = dois
casamentos.
Bifurcar = dois
ramos.
Bígamo = que
tem dois cônjuges ao mesmo tempo.
Bisar = querer
duas vezes.
Duelo = combate
entre duas pessoas.
Número Três
O número três
deu origem a tribo, que era a terça parte do povo romano. E daí nasceu tributo,
a parte do imposto que recai na tribo. Tribuno era o diretor da tribo.
O comício da
tribo era feito na tribuna, donde vem também tribunal.
Com o tributo
veio o verbo atribuir, que era dar o que parecia justo ou pagar o tributo
justamente.
As sacerdotisas
gregas profetizavam sobre o trípode (um estrado de três pés), e como auguravam
males futuros diziam que tripudiavam sobre as desgraças humanas.
Triunfo – era
um grito e aclamação tríplice ao deus Baco. Depois passou a designar a honra
que se concedia aos generais que alcançavam grandes vitórias.
Triságio – Hino
religioso que começa com as palavras latinas Sanctus, Sanctus, Sanctus. Triságio significa em grego três santos.
Há muitas
outras palavras em português onde aparece o elemento tri, basta pensar em:
tricolor, tricromia, triciclo, triângulo, tríade, tridátilo.
Número Quatro
As formas
derivadas de quatro, em português, são menos representativas do que as dos
números anteriores.
Quarto – medida
que tem a quarta parte de uma outra maior. Quarto como parte da casa, foi assim
designado pelo fato da habitação estar dividida em quatro partes.
Quadro e quadra
= quatro lados.
Caderno – coleção de quatro folhas
de papel; vem do latim quaternum.
Cátedra e
cadeira – João Ribeiro vê na origem destas palavras o número quatro, todavia o
dicionário de Morais dá outra explicação (kata = sobre e hedra = assento).
Número Cinco
Em Portugal, as
propriedades rurais, correspondentes às nossas chácaras recebem o nome de
quintas, assim chamadas, porque o rendeiro tinha a quinta parte dos frutos.
Na história do
Brasil conhecemos bem a palavra quinto, que era o imposto de 20% ou a quinta parte
que o erário português cobrava das minas de ouro do Brasil.
Derivado ainda
de cinco temos a palavras quinhão, primitivamente era a ração da quinta parte.
O verbo aquinhoar, que significa partilhar, distribuir, etimologicamente
significa dividir em quinhões ou em cinco partes.
No dialeto
eólico da Grécia o número cinco era pompe, derivado deste número temos Pompeu e
Pompílio, que dizer o quinto filho da família.
Os romanos por
falta de originalidade em atribuir nomes aos filhos, eles os chamavam de Secundus, Tercius, Quartus, Quintus,
etc. A palavra Pôncio também significa quinto no dialeto osco da Itália.
De origem persa
temos a palavra ponche (punch)
que significa cinco. É nome de uma bebida como sabemos, mas o que isto tem que
ver com cinco? É bem simples, recebeu este nome porque cinco eram os
ingredientes que entravam na preparação desta bebida usada pelos orientais.
Ponche ou poncho é também o nome de uma espécie de capa de lã, assim denominada
por extensão psicológica. Esta capa aquece a pessoa, assim como o faz a bebida.
Em grego, cinco
é pente, do qual temos várias derivações em português, como as seguintes
palavras:
Pentateuco –
cinco livros;
Pentecostes é
cinqüenta em grego.
O pente que
usamos para pentear o cabelo, foi assim chamado porque os primeiros tinham
apenas cinco dentes.
Será que a
expressão: "Mandar alguém para os quintos dos infernos" tem que ver
com o número cinco? Sim, tem que ver. Explica-se pelo bárbaro costume de
quintar os regimentos, isto é, tirar um de cada cinco para ser castigado em
caso de indisciplina coletiva. Processo análogo era o método de dizimar ou
fuzilar um de cada dez.
Há em português
a expressão "quintessência" que significa, extrato levado ao último
apuramento, a parte mais pura; na química a parte mais ativa e de maior
virtude. Significa ainda o melhor, o essencial de um discurso ou de um livro.
Esta expressão tem origem grega, pois sabemos que eles tinham 4 elementos (ar,
água, terra e fogo) e o quinto era o corpo livre de todas as impurezas – o éter,
que recebia o nome de quinta essência.
Número Seis
Depois de
cinco, os números apresentam menos derivados interessantes; dizem os
pesquisadores que talvez a razão seja esta: os povos primitivos dificilmente
contariam além de cinco, que representa a mão.
Sesmaria era a
sexta parte da terra dada para ser cultivada.
Derivação
curiosa apresenta a palavra sesta – hora de descanso, depois do almoço. Na
contagem das horas, a começar do nascer do sol, como é usada na Bíblia a hora
sexta era a do meio dia.
O verbo
assestar = apontar, dirigir, tem sua origem em seis, porque vem da sexta parte
do círculo.
O vocábulo
bissexto, que significa o dia que de quatro em quatro anos se acrescenta ao mês
de fevereiro, é proveniente do calendário Juliano. Recebeu este nome por ser o
segundo sexto dia que se intercala a 25 de fevereiro, antes das calendas de
março.
Os latinos
usavam o processo de chamar os dias de calendas, de onde nos vem a palavra
calendário – Calendas e calendário são provenientes do verbo grego caleo – chamar.
Será também
útil o conhecimento desta expressão. "Ad Kalendas Gregas" – Para as
calendas gregas. Assim dizer: Vamos deixar isto para as calendas gregas, é o
mesmo que dizer para o dia de São Nunca, desde que os gregos nunca tiveram essa
divisão do tempo, que era usada pelos romanos.
Número Sete
Do numeral sete
temos semana – septem-mane = sete manhãs ou sete dias.
Temos ainda o
Sete-Estrelo, nome popular da plêiade, constelação composta de sete estrelas.
Esta constelação foi de considerável importância para os navegadores, por isso
recebeu esse nome do verbo grego pleo = navegar. Por metáfora, recebeu o nome
de plêiade, um grupo dos melhores poetas líricos de Alexandria.
Os estudantes
de Literatura Brasileira estão bem lembrados da Plêiade Mineira em nossa
literatura.
Número Oito
Este algarismo
não apresenta derivações populares.
Número Nove
O nosso
vocábulo novo é derivado do número nove. Nove marcava o começo de uma numeração
tetrádica – de quatro a quatro.
Número Dez
Dez culmina com
o sistema de contar pelos dedos. De dez temos dezembro, décimo mês do antigo
calendário romano. Da mesma maneira que os nomes setembro, outubro e novembro
referem-se ao sétimo, oitavo e nono mês. No antigo calendário romano o ano
começava em março.
Derivado de dez
temos também Décio, que era o décimo filho. Evidentemente o nome perdeu a sua
significação etimológica, já que pouquíssimos Décios seriam o décimo filho.
O nosso termo
tão questionado – dinheiro – também é proveniente de dez, ou melhor de denário
que era dez vezes a unidade ínfima, o as. As, em latim, era a unidade que
servia de termo de comparação para as moedas.
Decano – em
latim era o suboficial que comandava dez soldados. O mais velho entre dez
frades. Hoje o membro mais velho em qualquer corporação civil ou religiosa.
Cem
Cem em grego é hecaton, do qual temos muitas formas em
português como:
hectare - medida
equivalente a cem ares,
hectograma - cem gramas,
hectolitro - cem litros,
Das palavras
usadas com hecaton, uma das mais interessantes é hecatombe – cem bois. Era um
sacrifício em que matavam cem bois. Por extensão de sentido a palavra passou a
designar o sacrifício de muitas vítimas, matança humana.
Conto
Há alguns anos
quando a base para o nosso dinheiro era o mil réis, muito se falava no conto,
que era mil vezes mil réis. Muitas vezes pensei: por que recebia o nome de
conto de réis? Conto vem de cômputo – número. Conto era um milhão de réis.
O padre Manuel
Bernardes escreveu que a biblioteca de Alexandria possuía mais de um conto de
livros, isto é, um milhão de livros. Ou quem sabe também mais de um livro de
contos.
Na
administração portuguesa havia a casa dos contos, equivalente em nossos dias ao
tesouro. Em Ouro Preto, até hoje, ainda é conhecida a Casa dos tontos, onde
Cláudio Manuel da Costa se enforcou.
Zero
A palavra zero
vem do árabe, pois sabemos que eles foram grandes cultores da matemática.
Embora a palavra seja árabe, a representação vem dos gregos.
Nas Tábuas de
Ptolomeu, a letra 0 representava a ausência de qualquer valor, e foi tirada da
primeira letra da palavra grega ou]den = ouden, que significa nada.
Pela exposição
feita até aqui se pode ver quanta curiosidade há em alguns números.
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